Jerônimo
Jacmel se deleitava com o silêncio do seu apartamento. Ao qual, pela janela da
sala, entravam os ruídos da Avenida Conselheiro Nébias e, pela da área de
serviço, o som das pancadas perpetradas pelas ondas que castigavam a areia da
Praia do Boqueirão. Posto que, desde o divórcio, mais atrativo do que o bar seu
lar se tornara.
Contudo,
o argumento último de sua ex-esposa ainda lhe encafifava. Pois, depois do
“adeus”, ela disse que ele se arrependeria do momento em que ela a porta
cruzasse. Dado que ele só pensaria na atividade sexual dela.
Não
que Jacmel se importasse com quem fizesse uso da vagina que, contra a sua
vontade, ela sempre manteve peluda.
Até
porque, dos três buracos de que ela dispunha, esse se tornara o menos sedutor.
Visto
que vetada por ela era a entrada do seu pênis em qualquer um dos outros dois.
Mas
porque isso o recordava da sua inatividade sexual.
Que,
devido aos últimos anos de casado, um recorde negativo lhe infligia.
E o pior era que a isso se acresciam os fatos de que, além da sua mulher não ter
servido como mulher, o casamento lhe sacara o charme de galã e a pensão dos
dois filhos filava-lhe a verba que o faria ficar atraente até para a mais
ignorante das feministas.
Ademais,
naquele ano, o índice de natalidade baixou na Baixada Santista de forma
alarmante. Tanto que, segundo os estudos, dentro de décadas a Ilha de São
Vicente seria tão habitada quanto a Ilha de Pascoa.
Por
isso, as Prefeituras de Santos e de São Vicente, em parceria com os Correios,
substituíram a campanha de fim ano, em favor das crianças carentes (por motivos
óbvios), por uma ação em benefício dos solteiros necessitados.
Que
consistia em intermediar um encontro de dois “encalhados”, em prol de uma
“trepadinha natalina”.
E
para que, na véspera de Natal, pudesse comer algo que rimasse com peru,
Jerônimo escreveu, tal como especificava o regulamento, uma carta para o Papai
Noel pedindo algo de que gostasse. No caso, uma loira parruda. Mas não qualquer
uma. E sim, que se equiparasse com o padrão de mulher que era desenhado por
Robert Crumb. Depois, à missiva anexou algumas fotos suas, a fim de que, do
outro lado, a bondade da pessoa palpitasse mais na genitália do que no coração.
Então,
Jerônimo colocou-a na caixa do correio, como se penetrasse numa vulva
horizontal.
E
depois, passou os dias, em que aguardava por uma resposta, se dedicando a uma
dieta afrodisíaca e muita masturbação. Pois queria “matar a bunda” da mulher
que se submetesse a essa situação.
Quando,
numa noite, ao regressar da rádio, onde, como redator, labutava, uma carta
remetida pelos Correios, que fora jogada por baixo da porta, encontrou.
Constando
nela que, como houvera sido um “bom solteiro”, o Papai Noel lhe enviou uma
senha.
Com
a qual, por meio do site dos Correios, acessou uma página em que as fotos e os
dados da pessoa que queria lhe visitar se encontravam.
Uma
mulher chamada Sorina.
À
qual telefonou e um horário estipulou.
Todavia,
tendo apreço pelo fato de ela, a cada três palavras, se valer de termos do
naipe de “porra” e “caralho” para concluir seu raciocínio. Já que, por isso,
não se acanharia na hora de dizer que queria comer-lhe o cu.
Então,
na véspera da véspera, Jerônimo guardou a pornografia em um cofre, com o fim de
economizar cada gota de esperma e tesão que pudesse.
Não
que lhe estivesse faltando.
Mas
porque pretendia estar em forma para atingir o ponto G, na hora H, do dia D.
Depois,
comprou um monte de comida, que não tinha a intenção de devorar, e, na véspera,
preparou um espetacular banquete para a ceia de Natal.
Para
a qual, tendo alcançado a ocasião, as horas se passaram e Sorina não apareceu.
Fazendo-o
se sentar junto ao interfone e comer rabanada, com o fim de conter a ansiedade.
Quando
ouviu alguém mexer na fechadura do seu apartamento. E não acreditou que, mesmo
com a ausência de uma chaminé, o Papai Noel agiria como um arrombador.
Por
isso, se muniu de um porrete e se ocultou na cozinha – cuja porta era voltada
para o corredor, que ligava a entrada à sala.
De
lá, então, escutou a porta ser aberta e fechada. Depois, viu a luz do corredor
ser acesa e se ateve ao estrépito dos passos, que pareciam ter um destino
certo. Fazendo-o se sentir em uma trama narrada por Gil Gomes. E quase teve um
enfarte, ao ver uma figura que se cobria com um balandrau vermelho e calçava um
gorro igual ao do Papai Noel.
Porém,
a aflição se transmutou em ira, quando se revoltou com o fato de o ladrão ter
pervertido a lenda do “bom velhinho” e, por isso, o puniu com um golpe que
quebrou o cacete.
Então,
Jacmel virou o corpo e ficou pasmo, ao ver que se tratava da sua ex-esposa.
Que, sob o balandrau, vestia apenas um conjunto de calcinha e sutiã vermelhos.
Quando
o telefone tocou.
E,
ao atendê-lo, falou com sua ex-cunhada. Que o atualizou da programação que sua
irmã fizera para a noite de Natal.
Primeiro,
dizendo que ela saíra da sua casa há uma hora e, por tanto, a qualquer
instante, chegaria por lá. Visto que tinha o intuito de fazerem as pazes.
Em
segundo, pedindo para que, ao término desse prazo, ela lhe telefonasse, com o
propósito de alertá-lo. A fim de que não se assustasse com a repentina
aparição. E, também, para (e isso ela esclareceu que só falava por desencargo
de consciência) que ele não tivesse tempo de lhe dizer “não”.
Ao
que Jacmel apenas agradeceu.
Sem
mais, ele foi ver se ela ainda respirava. E, para seu alívio, ela só estava
desfalecida. Então, colocou-a de bruços, baixou-lhe a calcinha e (como ela ali
estava para isso mesmo) resolveu desfrutar do que nunca desfrutara.
Depois,
a fim de não ter que carregar peso, reanimou-a. E, assim que ela recobrou um
mínimo de lucidez, a fez se erguer e a levou para fora.
Desceu
com ela balbuciando bobagens pelo elevador.
Para,
por fim, dizer ao porteiro que ela se excedera na dose do “mé”.
E,
sem mais, levou-a à praia. Onde pretendia jogá-la em um canto qualquer.
Quando
um pedinte lhe pediu uma moeda. E Jerônimo lhe disse que só tinha aquela
mulher. Que, com um malicioso sorriso, o cujo aceitou.
Posteriormente,
para casa Jerônimo regressou.
Ingeriu
uma onça de eggnog e viu que, pelo horário, seu Natal definhara.
Quando
o interfone tocou.
E,
ao atendê-lo, informado foi de que um policial subiria para falar com ele.
Sem
mais, Jacmel bebeu mais um pouco e aguardou pelo soar da campainha.
O
que não tardou.
Até
a porta, então, ele foi, abriu-a e viu que o policial conduzia Sorina. A qual,
pela vermelhidão da tez, parecia ter se “bronzeado” em um alambique.
Todavia,
o defensor da lei disse que a autuou quando a viu tentando arrombar a porta do
próprio carro. Já que ela se esquecera de que tirara a chave da bolsa para
abri-lo e, por essa razão, não a encontrara no interior da mesma.
Mas
como era noite de Natal, e ela possuía um envelope, com o endereço dele, ele
resolveu levá-la para lá.
E
Jerônimo aceitou o “presente” que, como um “Papai Noel Cinza”, o policial lhe
entregou.