quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

BANQUETE DE NATAL

            Jerônimo Jacmel se deleitava com o silêncio do seu apartamento. Ao qual, pela janela da sala, entravam os ruídos da Avenida Conselheiro Nébias e, pela da área de serviço, o som das pancadas perpetradas pelas ondas que castigavam a areia da Praia do Boqueirão. Posto que, desde o divórcio, mais atrativo do que o bar seu lar se tornara.
            Contudo, o argumento último de sua ex-esposa ainda lhe encafifava. Pois, depois do “adeus”, ela disse que ele se arrependeria do momento em que ela a porta cruzasse. Dado que ele só pensaria na atividade sexual dela.
            Não que Jacmel se importasse com quem fizesse uso da vagina que, contra a sua vontade, ela sempre manteve peluda.
            Até porque, dos três buracos de que ela dispunha, esse se tornara o menos sedutor.
            Visto que vetada por ela era a entrada do seu pênis em qualquer um dos outros dois.
            Mas porque isso o recordava da sua inatividade sexual.
            Que, devido aos últimos anos de casado, um recorde negativo lhe infligia.
            E o pior era que a isso se acresciam os fatos de que, além da sua mulher não ter servido como mulher, o casamento lhe sacara o charme de galã e a pensão dos dois filhos filava-lhe a verba que o faria ficar atraente até para a mais ignorante das feministas.
            Ademais, naquele ano, o índice de natalidade baixou na Baixada Santista de forma alarmante. Tanto que, segundo os estudos, dentro de décadas a Ilha de São Vicente seria tão habitada quanto a Ilha de Pascoa.
            Por isso, as Prefeituras de Santos e de São Vicente, em parceria com os Correios, substituíram a campanha de fim ano, em favor das crianças carentes (por motivos óbvios), por uma ação em benefício dos solteiros necessitados.
            Que consistia em intermediar um encontro de dois “encalhados”, em prol de uma “trepadinha natalina”.
            E para que, na véspera de Natal, pudesse comer algo que rimasse com peru, Jerônimo escreveu, tal como especificava o regulamento, uma carta para o Papai Noel pedindo algo de que gostasse. No caso, uma loira parruda. Mas não qualquer uma. E sim, que se equiparasse com o padrão de mulher que era desenhado por Robert Crumb. Depois, à missiva anexou algumas fotos suas, a fim de que, do outro lado, a bondade da pessoa palpitasse mais na genitália do que no coração.
            Então, Jerônimo colocou-a na caixa do correio, como se penetrasse numa vulva horizontal.
            E depois, passou os dias, em que aguardava por uma resposta, se dedicando a uma dieta afrodisíaca e muita masturbação. Pois queria “matar a bunda” da mulher que se submetesse a essa situação.
            Quando, numa noite, ao regressar da rádio, onde, como redator, labutava, uma carta remetida pelos Correios, que fora jogada por baixo da porta, encontrou.
            Constando nela que, como houvera sido um “bom solteiro”, o Papai Noel lhe enviou uma senha.
            Com a qual, por meio do site dos Correios, acessou uma página em que as fotos e os dados da pessoa que queria lhe visitar se encontravam.
            Uma mulher chamada Sorina.
            À qual telefonou e um horário estipulou.
            Todavia, tendo apreço pelo fato de ela, a cada três palavras, se valer de termos do naipe de “porra” e “caralho” para concluir seu raciocínio. Já que, por isso, não se acanharia na hora de dizer que queria comer-lhe o cu.
            Então, na véspera da véspera, Jerônimo guardou a pornografia em um cofre, com o fim de economizar cada gota de esperma e tesão que pudesse.
            Não que lhe estivesse faltando.
            Mas porque pretendia estar em forma para atingir o ponto G, na hora H, do dia D.
            Depois, comprou um monte de comida, que não tinha a intenção de devorar, e, na véspera, preparou um espetacular banquete para a ceia de Natal.
            Para a qual, tendo alcançado a ocasião, as horas se passaram e Sorina não apareceu.
            Fazendo-o se sentar junto ao interfone e comer rabanada, com o fim de conter a ansiedade.
            Quando ouviu alguém mexer na fechadura do seu apartamento. E não acreditou que, mesmo com a ausência de uma chaminé, o Papai Noel agiria como um arrombador.
            Por isso, se muniu de um porrete e se ocultou na cozinha – cuja porta era voltada para o corredor, que ligava a entrada à sala.
            De lá, então, escutou a porta ser aberta e fechada. Depois, viu a luz do corredor ser acesa e se ateve ao estrépito dos passos, que pareciam ter um destino certo. Fazendo-o se sentir em uma trama narrada por Gil Gomes. E quase teve um enfarte, ao ver uma figura que se cobria com um balandrau vermelho e calçava um gorro igual ao do Papai Noel.
            Porém, a aflição se transmutou em ira, quando se revoltou com o fato de o ladrão ter pervertido a lenda do “bom velhinho” e, por isso, o puniu com um golpe que quebrou o cacete.
            Então, Jacmel virou o corpo e ficou pasmo, ao ver que se tratava da sua ex-esposa. Que, sob o balandrau, vestia apenas um conjunto de calcinha e sutiã vermelhos.
            Quando o telefone tocou.
            E, ao atendê-lo, falou com sua ex-cunhada. Que o atualizou da programação que sua irmã fizera para a noite de Natal.
            Primeiro, dizendo que ela saíra da sua casa há uma hora e, por tanto, a qualquer instante, chegaria por lá. Visto que tinha o intuito de fazerem as pazes.
            Em segundo, pedindo para que, ao término desse prazo, ela lhe telefonasse, com o propósito de alertá-lo. A fim de que não se assustasse com a repentina aparição. E, também, para (e isso ela esclareceu que só falava por desencargo de consciência) que ele não tivesse tempo de lhe dizer “não”.
            Ao que Jacmel apenas agradeceu.
            Sem mais, ele foi ver se ela ainda respirava. E, para seu alívio, ela só estava desfalecida. Então, colocou-a de bruços, baixou-lhe a calcinha e (como ela ali estava para isso mesmo) resolveu desfrutar do que nunca desfrutara.
            Depois, a fim de não ter que carregar peso, reanimou-a. E, assim que ela recobrou um mínimo de lucidez, a fez se erguer e a levou para fora.
            Desceu com ela balbuciando bobagens pelo elevador.
            Para, por fim, dizer ao porteiro que ela se excedera na dose do “mé”.
            E, sem mais, levou-a à praia. Onde pretendia jogá-la em um canto qualquer.
            Quando um pedinte lhe pediu uma moeda. E Jerônimo lhe disse que só tinha aquela mulher. Que, com um malicioso sorriso, o cujo aceitou.
            Posteriormente, para casa Jerônimo regressou.
            Ingeriu uma onça de eggnog e viu que, pelo horário, seu Natal definhara.
            Quando o interfone tocou.
            E, ao atendê-lo, informado foi de que um policial subiria para falar com ele.
            Sem mais, Jacmel bebeu mais um pouco e aguardou pelo soar da campainha.
            O que não tardou.
            Até a porta, então, ele foi, abriu-a e viu que o policial conduzia Sorina. A qual, pela vermelhidão da tez, parecia ter se “bronzeado” em um alambique.
            Todavia, o defensor da lei disse que a autuou quando a viu tentando arrombar a porta do próprio carro. Já que ela se esquecera de que tirara a chave da bolsa para abri-lo e, por essa razão, não a encontrara no interior da mesma.
            Mas como era noite de Natal, e ela possuía um envelope, com o endereço dele, ele resolveu levá-la para lá.
            E Jerônimo aceitou o “presente” que, como um “Papai Noel Cinza”, o policial lhe entregou.

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